

Citações
Antes de ir para a Câmara
Já no duro eu trabalhava
Fazia bolas de carvão e breda
E muita lenha cortava.
Foi para o Hotel Duarte
Que depois fui trabalhar
Tratava do jardim e recados
E tinha a lenha para serrar.
Também no Café Havaneza
Eu a lenha serrava
E ali naquela cozinha
Aos melhores doces cheirava.
Visitantes que viessem a Mafra
Perguntavam com delicadeza
Onde ficava os pastéis de feijão
Da Pastelaria Havaneza.
A minha vida foi sempre a trabalhar
Assim mesmo tinha que ser
Pois tinha mulher e seis filhos
Que precisavam de comer.
Um dia disse-me o Sr. Dr. Galrão:
– Sebastião isto assim não pode ser
Eu vou falar com o Capitão Lopes
Para na Câmara te meter.
Ele foi falar com o Sr. Capitão Lopes
E este acabou por lhe responder:
– Que trabalho lhe hei-de arranjar
Se ele não sabe ler nem escrever?
Por não saber ler nem escrever
Há muito trabalho para dar
Há muitas ruas para varrer
E muitas ervas para rapar.
Tenho muito a agradecer
Digo mesmo do coração
Agradeço ao Sr. Capitão Lopes
E ao Sr. Dr. Carlos Galrão.
E assim entrei para a Câmara
Mas foi como assalariado
Não ganhava quando chovia
O sonho era entrar para o Quadro.
Os meses foram passando
E até alguns anos passaram
Quando no Quadro dei entrada
E à Câmara me chamaram.
Recebi com alegria a notícia
Isto é uma realidade
O trabalho para mim é orgulho
Digo com toda a sinceridade.
Muitos anos se passaram
Ao trabalho nunca faltei
Aos 70 anos me homenagearam
E o meu rico trabalho deixei.
No dia que fiz 70 anos
O trabalho tive de deixar
Deram-me um diploma
E mandaram-me descansar.
Sebastião Jacinto
Poeta, Poeta PopularJá Mafra se pôs de luto
Eu bem conheço a razão
Já morreu o «Pai dos Pobres»
Que era o senhor Dr. Galrão.
A cavalo num burrito
Ia ver qualquer doente
Nunca ganhou para automóvel
Por fazer bem a toda a gente.
Quando eram doentes pobres
Mandava o remédio aviar
Mas punha logo na receita
Que ele depois ia lá pagar.
Ele quis ir para campa rasa
Para mostrar a pobreza
Para a vida espiritual
Nada nos vale a riqueza.
Sebastião Jacinto
Poeta, Poeta PopularQuando eu fui para a Câmara
Logo fui para a serventia
Lamentava a minha sorte
Não ganhava quando chovia.
Dirigi-me ao senhor Capitão Lopes
Falei-lhe com toda a franqueza:
– Soube que há uma vaga
Veja se me mete na limpeza.
– Pois eu vou-lhe tratar disso
Alguma coisa hei-de fazer…
Mas você é curto de vista
Pouco deve dar para varrer…
– Agradeço a Vossa Excelência
A sua melhor atenção
Eu não quero enfiar agulhas
Mas sim para varrer o chão…
– Você tem sempre dessas respostas
Como é que me hei-de interessar?
Mas apesar de tudo isso
Alguma coisa hei-de arranjar.
Sebastião Jacinto
Poeta, Poeta PopularO que a minha avó dizia Ninguém queria acreditar As estradas «poriam-se» de luto E o mundo se devia enliar. As aldeias presas às vilas E as vilas às cidades Agora é que eu estou a ver Que ela dizia verdades. Eu ainda era miúdo Mas lembro-me de ela contar Os homens haviam de querer ir p’rá guerra Como o gado a pastar. Tudo isto que ela me contava Erro eu não acho nenhum Que p’rá era dos dois cincos De um cento escapava um. Tinha nove p’ra dez anos Lembro-me de ela contar E olhando para seus netos Começa logo a chorar: – P’rá era de mil nove e oitenta Feliz é quem não lá chegar. Mas hoje é que eu compreendo O que ela queria dizer Que haviam de ficar dois homens E não se poderem entender. Mas hoje é que eu compreendo E vejo que tinha razão Esses dois homens que ficam É um chefe em cada nação. Isto é um pequeno resumo Que eu mais não sei explicar Mas o que dizia a pobre velha É o que se está a aproximar.
Sebastião Jacinto
Poeta, Poeta PopularA visita do General Franco A muitos causou tristeza Só mostraram as regalias Em vez de mostrarem as tristezas. A inteligência dos portugueses Pouco mais é que a dum caracol Anda tudo em construção Por causa de vir cá o Franco espanhol. Daqui amanhã não há verba Despedem o pessoal Assim se vê a miséria Que nós temos em Portugal. Veio cá a polícia espanhola Que não merece consideração Puseram fora do Palácio O velho amigo Dr. Galrão. Ele tinha o convite consigo Mas não se quis encomodar Foi a polícia espanhola Que o mandou retirar. Nem olharam p´rá idade Digo mesmo com franqueza Um homem com 93 anos Que foi sempre o «pai da pobreza».
Sebastião Jacinto
Poeta, Poeta PopularÓ rico ganancioso Reparte com quem não tem Lembra-te de quem trabalha que sem ele não és ninguém. Arrepende-te que estás a tempo De cumprir o teu dever Mas lembra-te que o desgraçado Não ganha para se manter. Lá vem um dia mais tarde Que te encontras arrependido Olha que a riqueza da terra Não a levas p’ró jazigo. Sabe Deus o que custa Por esmola pedir pão Mas se os polícias o encontram Ameaçam-no com a prisão. Lá vai o pobre mendigo Para a rua a mendigar Muitas é a fome Que o obriga a roubar.