Os bons vi sempre passar No Mundo graves tormentos; E pera mais me espantar, Os maus vi sempre nadar Em mar de contentamentos. Cuidando alcançar assim O bem tão mal ordenado, Fui mau, mas fui castigado. Assim que, só pera mim, Anda o Mundo concertado.
Enquanto quis Fortuna que tivesse Esperança de algum contentamento, O gosto de um suave pensamento Me fez que seus efeitos escrevesse.
Porém, temendo Amor que aviso desse Minha escritura a algum juízo isento, Escureceu-me o engenho co’o tormento, Para que seus enganos não dissesse
Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos A diversas vontades! Quando lerdes Num breve livro casos tão diversos,
Verdades puras são e não defeitos; E sabei que, segundo o amor tiverdes, Tereis o entendimento de meus versos.
Verdes são os campos, De cor de limão: Assim são os olhos Do meu coração.
Campo, que te estendes Com verdura bela; Ovelhas, que nela Vosso pasto tendes, De ervas vos mantendes Que traz o Verão, E eu das lembranças Do meu coração.
Gados que pasceis Com contentamento, Vosso mantimento Não no entendereis; Isso que comeis Não são ervas, não: São graças dos olhos Do meu coração.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança; Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades, Diferentes em tudo da esperança; Do mal ficam as mágoas na lembrança, E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto, Que já coberto foi de neve fria, E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto: Que não se muda já como soía.
Ditoso seja aquele que somenteSe queixa de amorosas esquivanças;Pois por elas não perde as esperançasDe poder nalgum tempo ser contente.
Ditoso seja quem, estando absente,Não sente mais que a pena das lembranças,Porque, inda mais que se tema de mudanças,Menos se teme a dor quando se sente.
Ditoso seja, enfim, qualquer estado,Onde enganos, desprezos e isençãoTrazem o coração atormentado.
Mas triste de quem se sente magoadoDe erros em que não pode haver perdão,Sem ficar na alma a mágoa do pecado.
Nasceu a 1520 em Desconhecido, Portugal
Faleceu a 1580–06–10 em Lisboa, Portugal
Militar, Poeta