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Ao Congresso da República eu apresento os meus reconhecidos agradecimentos pela alta honra que se dignou confiar a quem, como eu, se acha desprovido dos precisos dotes para o cabal desempenho de tão elevada quanto espinhosa função. Para tal confio, porém, no precioso auxílio de todos os seus membros e no de toda a família portuguesa.
Diligenciarei, ao exercer o meu alto cargo, honrar a memória do nosso malogrado e saudoso Presidente, Dr. Sidónio Pais, procurando sempre seguir a sua grandiosa obra e inspirar-me, para o bem da República Portuguesa, nos ditames de honra, de justiça e de dignidade.
João do Canto e Castro
Militar, Presidente da República PortuguesaQuando há quatro anos, nesta mesma sala, foi lida a proclamação da República Portuguesa, ficou formulado o princípio fundamental de onde derivam todos os poderes do Estado — a soberania nacional, postergada sempre pela frase «da graça de Deus», com que as dinastias mascararam o seu poder pessoal absoluto. Reivindicaram esse princípio as revoluções de 1640, 1820, 1836, sempre desvirtuadas pelos seus mandatários. Na sua essência, a revolução de 5 de Outubro de 1910 foi essa reivindicação, tendo como consequência imediata a fundação da República; e, para que a revolução não fracassasse como as anteriores, deu-se ao título da República, que abrange muitas modalidades de instituições, a forma nítida, iniludível da República Democrática Parlamentar. Como esta base estável não foi suficientemente compreendida, as novas instituições sofreram diversas vicissitudes e, ultimamente, a de uma ditadura de feição imperialista absolutamente repugnante às aspirações do país.
Esquecera por completo a fundação de 5 de Outubro de 1910 e, para salvá-la, deu-se o conflito violento de 14 de Maio de 1915.
São dois momentos históricos que se completam, integrando-se em uma época nova que há-de ser fecunda pelo sacrifício de um milhar de desinteressadas vítimas que cimentaram com o seu sangue a República Portuguesa.
Que se segurem as mãos dos que tocaram irreverentemente na área santa das nossas liberdades. Que todo o cidadão elevado à Presidência da República se considere um magistrado, tendo por escopo o acatamento da soberania nacional e assistindo com interesse e amor, mas sem intervenção ilegítima, ao normal funcionamento do regime democrático parlamentar.
Nenhuma função mais difícil do que manter a harmonia dos poderes do Estado, e sua mútua independência e coexistência. Feliz quem, sob a sua chefatura, conseguir alcançar esta energia que realiza a ordem como condição do progresso.
Portugal já não é um país confinado no extremo ocidente; é um elemento desta civilização heleno-latina que a Renascença incorporou no mundo moderno com vinte séculos de cultura. Vivemos nesta espécie de solidariedade humana que corrige os excessos do egoísmo humano. Um outro equilíbrio europeu tem de fundar-se, conduzindo ao estabelecimento duma paz milenária.
A política externa de Portugal deriva completamente da sua situação geográfica; ela solidarizou-se com a Europa, quando combatia o imperialismo da Espanha no século XVII e quando no século XIX desmoronava o imperialismo napoleónico; ela nos fará cooperar na actividade mundial dos grandes Estados com apoio no Atlântico.
Apresentando estes dois aspectos da política interna e externa da nação portuguesa, deles se deduz um plano de Governo. E, ao proferir as palavras de compromisso de honra, desta hora em diante só aspiro a que, ao regressar dignamente ao lar, se possa dizer: «Cumpriu o que prometeu; guiou-se pelo bom senso e pelo desinteresse».
Discurso de tomada de posse do Presidente Teófilo Braga, proferido na Câmara dos Deputados do Palácio de São Bento, a 29 de Maio de 1915.
Teófilo Braga
Ensaísta, Filósofo, Poeta, Político, Presidente da República PortuguesaEu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho,e desta sorte
Sou a crucificada … a dolorida…
Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!…
Sou aquela que passa e ninguém vê…
Sou a que chamam triste sem o ser…
Sou a que chora sem saber porquê…
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!
Florbela Espanca
Jornalista, PoetaNo divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frêmito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!
A sombra entre a mentira e a verdade…
A nuvem que arrastou o vento norte…
Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!
Trago dálias vermelhas no regaço…
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!
E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças…
Florbela Espanca
Jornalista, PoetaNão tenhas medo, não! Tranqüilamente,
Como adormece a noite pelo Outono,
Fecha os teus olhos, simples, docemente,
Como, à tarde, uma pomba que tem sono…
A cabeça reclina levemente
E os braços deixa-os ir ao abandono,
Como tombam, arfando, ao sol poente,
As asas de uma pomba que tem sono…
O que há depois? Depois?… O azul dos céus?
Um outro mundo? O eterno nada? Deus?
Um abismo? Um castigo? Uma guarida?
Que importa? Que te importa, ó moribundo?
– Seja o que for, será melhor que o mundo!
Tudo será melhor do que esta vida!…
Florbela Espanca
Jornalista, PoetaCriar uma literatura infantil é criar o amor pela leitura, é despertar na criança a curiosidade — tão embotada nas crianças portuguesas — pelas coisas intelectuais e dar-lhe da vida uma nobre e alta noção.
A literatura para os grandes apossa-se de todos os assuntos e de todos pode fazer obras de valor, conforme o talento dos autores. O mesmo acontece, e deve acontecer, com a literatura infantil, que tem de ser vasta e variada…